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Juiz Damasceno: No Rio, polícia “Mãe Dinah” antevê crime; equivale a Estado de Sítio

 

Juiz Damasceno: No Rio, polícia “Mãe Dinah” antevê crime; equivale a Estado de Sítio

publicado em 13 de julho de 2014 às 19:59

damasceno

Damasceno: “A polícia fluminense se converteu na ‘polícia Mãe Dinah’, que investiga o futuro”

por Conceição Lemes

Nessa sexta-feira 11, a 27ª Vara Criminal da cidade do Rio de Janeiro expediu 26 mandados de prisão temporária e dois de busca e apreensão de menores de idade.

A maioria foi detida ontem.  Acusação: formação de quadrilha armada, com pena prevista de até três anos de reclusão.

Em entrevista coletiva nesse sábado, o chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Fernando Veloso, justificou: “Estamos monitorando a ação desse grupo de pessoas desde setembro do ano passado. A prisão delas vai impedir que outros atos de violência ocorram neste domingo”.

Veloso disse que a polícia fluminense tem provas “robustas” e consistentes” de que “essa quadrilha pretendia praticar atos violentos se não hoje, amanhã [domingo]”.

Na mesma coletiva , a delegada Renata Araújo, adjunta da Delegacia de Repressão à Crimes de Informática (DRCI), alegou: “Eles planejavam ataques e se aproveitavam de problemas reais para fazer manifestações onde usavam artefatos para incendiar ônibus, depredar agências bancárias, entre outros”.

“Do ponto de vista substancial, não há como defender a legalidade de tais prisões”, denuncia o juiz João Batista Damasceno, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD). “Violou-se o direito constitucional de liberdade de manifestação do pensamento e direito de reunião.”

“Na prática, implementaram-se medidas típicas de um Estado de Sítio, sem que ele tivesse sido decretado. Isso é crime de responsabilidade”, alerta.  “Num Estado de Direito efetivo, as autoridades envolvidas numa situação como essa seriam chamadas a se explicar e poderiam, eventualmente, ser responsabilizadas.”

“A polícia fluminense se converteu na ‘polícia Mãe Dinah’ que investiga o futuro”, critica Damasceno. “Seria cômico não fosse trágico ao Estado de Direito e não representasse um perigo de volta ao tempo sombrio da ditadura militar, notadamente quando vigente o AI-5, que suprimira o habeas corpus.”

A propósito. Entre as coisas apreendidas pela polícia do Rio de Janeiro na residência dos presos, há máscaras contra gás lacrimogêneo, viseiras, máscaras de carnaval, computadores, livros de capa vermelha e um revólver.

“O revólver foi apreendido na casa de um adolescente que milita politicamente. Só que é do pai do ativista, que tem porte legal de arma. A mídia tradicional tem a informação, mas não publica”, acusa Damasceno.

“A prisão de máscaras de carnaval, bandeiras vermelhas e até livros de literatura — pelo simples fato de terem a capa vermelha — é a prova do retorno da estupidez às práticas policiais dos tempos de ditadura”, vai mais fundo. “Mudou-se o nome, mas a política é a mesma.”

Segue a íntegra da nossa entrevista com João Batista Damasceno, que é juiz no Rio de Janeiro, doutor em Ciência Política e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).

Viomundo – Segundo o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, as prisões seriam para impedir que atos de violência ocorressem neste domingo. A lei permite isso?

João Batista Damasceno – A Constituição dispõe que ninguém será considerado culpado sem que haja sentença condenatória transitada em julgado. Neste momento, estamos vivenciando casos de responsabilização antes que a pessoa cometa o fato tido como criminoso.

Não se trata apenas de prisão temporária, visando à apuração do fato cometido.  Nem prisão preventiva, para proteção do processo, ou seja, das testemunhas e garantia da execução penal, caso o acusado seja condenado.

Trata-se de prisão antecipada ao fato, que não se pode afirmar que aconteceria. A militante Elisa [Elisa Quadros, conhecida como Sininho] estava no Rio Grande do Sul e certamente não viria ao Rio de Janeiro para as manifestações de encerramento da Copa.

No Rio de Janeiro, já tivemos um chefe de polícia que se envolveu com o crime organizado internacional, no caso a máfia espanhola, apontada, na época, como responsável pelo tráfico internacional de drogas.

Seria um absurdo defender a prisão do atual chefe de polícia a fim de evitar que pudesse – no futuro – cometer os mesmos crimes que teriam sido cometidos por aquele chefe de polícia no final do século XX.

Perante a lei, o atual chefe de polícia merece a mesma consideração que os demais cidadãos brasileiros. A violação ao direito de uns permite que o direito de outros também seja violado, inclusive do próprio chefe de polícia.

Mas é preciso lembrar que tais prisões foram decretadas pelo poder Judiciário, que tem funcionado como auxiliar da polícia e do governo na violação aos direitos dos cidadãos. Assim, não se espera que funcione como órgão garantidor dos direitos.

Viomundo – Essas prisões são ilegais então?

João Batista Damasceno – Elas foram efetuadas a pedido da polícia, mas por decretação do Judiciário.

Do ponto de vista formal, a polícia fez o que o Judiciário autorizou. Claro que na execução da medida no Rio Grande do Sul os policiais fluminenses não poderiam ter atuado. Eles agiram fora do limite territorial do Estado do Rio de Janeiro. Atuaram com excesso de poder.

O delegado encarregado da diligência gravou vídeo da prisão da militante no Rio Grande do Sul, expondo indevidamente sua imagem, e disse estar em auxílio à polícia gaúcha. Mas vendo o vídeo percebe-se que toda a diligência foi efetuada pela polícia fluminense.

Trata-se de uma polícia, que, desde a condecoração dos homens do Esquadrão da Morte nos anos 60 pelo governado Carlos Lacerda, atua à margem da lei.

Do ponto de vista substancial, não há como defender a legalidade de tais prisões.

Em entrevista, o chefe de polícia do Rio de Janeiro disse que tais militantes vinham sendo monitorados desde setembro de 2013 e que as prisões evitariam que participassem de manifestações neste domingo, final da Copa.

Porém, violou-se o direito constitucional de liberdade de manifestação do pensamento e direito de reunião.

Na prática, implementaram-se medidas típicas de um Estado de Sítio, sem que ele tivesse sido decretado. Isso é crime de responsabilidade. Num Estado de Direito efetivo, as autoridades envolvidas numa situação como essa seriam chamadas a se explicar e poderiam, eventualmente, ser responsabilizadas.

Viomundo – A Justiça determinou a prisão temporária. Por quê?

João Batista Damasceno — A prisão temporária, de discutível constitucionalidade, visa restringir a liberdade de uma pessoa a fim de coletar prova de crime que se tenha cometido.

A prisão temporária é uma prisão para preservar as provas, após a ocorrência de um crime. Trata-se de medida emergencial, por isso se afasta o suposto criminoso da cena do crime para a produção probatória necessária à sua acusação.

No caso presente, os militantes estavam sendo monitorados desde setembro de 2013. Não havia prova a ser coletada emergencialmente.

Fica cada vez mais evidente o reforço do Estado Policial, com exercício arbitrário do poder da polícia. Voltamos ao Brasil da Primeira República, quando a política se fazia com a polícia à frente. O estopim para a Revolução de 30 foi uma ação policial na casa da namorada de João Dantas, adversário do candidato a vice-presidente de Getúlio Vargas, João Pessoa.

revolver

Viomundon — A polícia do Rio apresentou várias coisas que teriam sido apreendidas nas residências presos. Pelas fotos publicadas na mídia, dá pra ver máscaras contra gás lacrimogêneo, viseiras, um revólver…

João Batista Damasceno — O revólver foi apreendido na casa de um adolescente que milita politicamente.  Só que o revólver é do pai desse ativista político, que tem porte legal de arma. A mídia tradicional tem a informação, mas não publica, legitimando a atuação da polícia.

A polícia tratou o adolescente como se ele fosse o dono da casa. E diante da demonstração de que seu pai era o detentor de porte legal de arma, lavrou-se um registro de omissão de cautela. É uma forma de justificar a apreensão de uma arma que não poderia ser apreendida.

A polícia buscou dar um aparato legal à apreensão, sob o fundamento de que aquele que tem a posse legal da arma, não a guardou adequadamente, tornando-a passível de apreensão. Mas isto não foi levado ao conhecimento da sociedade.

Viomundo – Pesa o fato de estarmos em ano eleitoral?

João Batista Damasceno  — Com certeza, e a polícia quer mostrar eficiência na intimidação de opositores das políticas públicas lesivas aos interesses do povo.

Curiosamente, essa mesma polícia que prendeu os jovens militantes não se moveu diante do que não foi apurado na CPI do Cachoeira. Tampouco diante do furto das vigas do elevado da Perimetral, no Rio de Janeiro.  Eram vigas com cerca 20 toneladas! Essa mesma polícia não foi capaz de esclarecer a autoria do furto, apesar de do grande volume e notável valor econômico.

Igualmente não foram esclarecidos pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) os crimes cometidos por policiais. E a DRCI é que está atuando contra os militantes presos.

Viomundo – Explique melhor isso.

João Batista Damasceno — Computadores de juízes fluminenses foram invadidos e hackeados e o fato somente se comprovou porque o Ministério Público o esclareceu. A delegada titular de então direcionou a investigação para as vítimas.

No ano passado, crimes contra um magistrado, praticados por policiais pela internet, igualmente terminaram sem qualquer apuração. De nada adiantou a reunião do delegado titular da DRCI no gabinete da então chefe de polícia, Martha Rocha. Nada se apurou. As investigações são seletivas.

Desde a morte do jornalista Tim Lopes formou-se uma perversa aliança da mídia com a polícia. Já não se denunciam as arbitrariedades policiais como se fazia antes. O fato se agravou com a morte do cinegrafista Santiago de Andrade durante uma manifestação recente.

Não se registrou a morte do Santiago como uma fatalidade; nem que ele trabalhava sem os equipamentos de proteção que lhe deveriam ser fornecidos pela empresa de comunicação que o empregava.

A morte dele foi consequência da irresponsabilidade de militantes, que não desejavam sua morte, mas também da culpa grave do empregador que não lhe forneceu os meios adequados para proteção na cobertura de uma manifestação que se sabia poderia resultar confronto ou conflito, como ocorre no restante do mundo.

A polícia fluminense se converteu na ‘polícia Mãe Dinah’, que investiga o futuro. Seria cômico não fosse trágico ao Estado de Direito e não representasse um perigo de volta ao tempo sombrio da ditadura militar, notadamente quando vigente o AI-5, que suprimira o habeas corpus.

A prisão de máscaras de carnaval, bandeiras vermelhas e até livros de literatura — pelo simples fato de terem a capa vermelha — é a prova do retorno da estupidez às práticas policiais. Durante a ditadura, a mesma polícia, fazia apreensão de livros pela cor da capa. Naquela época, não era a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática, mas o DOPS, Departamento de Ordem Política e Social. Mudou-se o nome, mas a política é a mesma.

Viomundo  – O que representam essas prisões?

João Batista Damasceno – O apogeu da escalada do Estado Policial. Mas não é coisa que tenha sido formatada apenas pelo atual chefe de polícia. É parte de uma política federal de repressão aos movimentos sociais. A atuação tem sido similar em outros Estados. No Rio de Janeiro e em São Paulo ocorre maior repercussão. Mas esse tipo de atuação se intensificou após reunião dos secretários de Segurança dos estados no Ministério da Justiça.

É óbvio que nem tudo é coisa do governo federal; apenas a matriz. As polícias e o próprio Judiciário funcionam nesses episódios como forças auxiliares. O próprio chefe de polícia desempenha papel deste quilate.

O povo, para certo de tipo de político, só é bonito visto do palanque, para onde vai aplaudir o candidato. Assim, pensava Benedito Valadares, velho político mineiro, que cunhou tal frase.

Anastácio Somoza, ditador nicaraguense derrubado pela Revolução Sandinista em 1979, dividia o povo em três segmentos: os amigos, a quem dava ouro; os indiferentes, a quem dava prata e os inimigos, a quem destinava chumbo.

As atuais políticas públicas têm o mesmo viés. Mas quem ficou com o ouro foi a FIFA. Aos que não se domesticaram para receber a prata restaram demolições de casas, remoções de suas comunidades, repressão brutal e prisões.


Quadro mental paranoico não pode imperar na solução de casos jurídicos. Por Marco Aurélio Marrafon

 

CONSTITUIÇÃO E PODER

Quadro mental paranoico não pode imperar na solução de casos jurídicos

  • 14 de julho de 2014, 14:21h

Por Marco Aurélio Marrafon

Um dos maiores perigos para quem julga reside no apego à primeira impressão e na construção, a partir dela, de premissas fundantes que condicionam toda a cadeia de produção de sentido no desenvolvimento do processo, valorizando apenas o que confirma a primeira hipótese, encobrindo a realidade e desprezando o conjunto probatório produzido nos autos. Lembrando as aulas do mestre Jacinto Coutinho, isso constitui o chamado “primado da hipótese sobre os fatos”, tão bem diagnosticado pelo processualista italiano Franco Cordero. É o problema do julgamento por induções e presunções, inúmeras vezes denunciado por Lenio Streck, em especial em sua coluna “Senso Incomum” da semana passada, cujo título autoexplicativo é Não havia provas, mas a juíza disse: “testemunhei os fatos”! E cassou o réu!.

Vontade de potência e quadro mental paranoico
Franco Cordero explica que o chamado “primado da hipótese sobre os fatos” revela-se como a situação, típica do sistema processual inquisitório, na qual são considerados e relevados apenas os significantes confirmadores da acusação, desprezando os demais. Nesses casos, forma-se um “quadro mental paranoico” em que praticamente não há espaço para a defesa e o contraditório pouco influi[1].

Isso significa que o sujeito que julga atribui sentido válido apenas às manifestações que confirmam seu entendimento prévio, desprezando provas e evidências em sentido contrário. Imaginemos uma situação típica: ante ao sumiço de uma joia que ficava guardada no criado-mudo do quarto em uma residência, culpa-se a empregada doméstica pelo furto. A reconstituição de fatos que pudessem levar a tal conclusão — que, em geral, é obtida sem provas — dá valor e relevância somente àquilo que confirma a hipótese primeira: Ah, a empregada estava limpando o criado-mudo onde estava a joia no dia anterior ao sumiço: prova cabal da culpa. Levem-na para a delegacia! Não importa se ela limpava aquele quarto a cada dois dias por anos…

Como nos filmes de antigamente: houve um assassinato. Quem é o assassino? O mordomo. E partir daí todas as atitudes desse acusado apenas confirmam as suspeitas. Não há chances de absolvição  o julgamento ocorreu antes do processo.

Esse modus de raciocinar juridicamente revela fortes traços de pensamento metafísico, porque estabelece critérios de verdade (identidade) ou falsidade (diferença) de acordo com a compatibilidade ou não com os parâmetros contidos na premissa fundante em que se crê. Faz-se necessário superar essa maneira maniqueísta de encarar o processo para entender a dimensão e a relevância do contraditório. Daí a importância da crítica ao pensamento metafísico clássico.

Na concepção de Nietzsche, é justamente a possibilidade de criar um mundo-verdade a partir da própria medida humana e seu racionalismo que revela não apenas a insânia dos filósofos, mas principalmente a chamada “vontade de potência” (Der Wille zur Macht) sobre o mundo real, em que todos estão imersos[2].

Em análise ligeira, pode-se dizer que a crença na essência transcendental instaura uma divisão de mundos puramente inventiva, segundo a qual o ideal racional era tido como verdadeiro e o mundo fenomenológico, marcado pela multiplicidade e pela fragmentação, representava a falsidade.

Nessa perspectiva, qualquer manifestação de verdade que se apresente em um único princípio metafísico, tido como síntese de uma essência imutável ou archè que atua como fundamento e ao mesmo tempo critério para a promoção de toda identidade e diferença, possui caráter nitidamente metafórico e encobre a realidade[3]. O mesmo vale para a hipótese primeira que determina “a verdade” no processo judicial impulsionado pelo quadro mental paranoico.

Jurisdictio
Em razão do poder de dizer o direito, do exercício da jurisdictio, os Tribunais transformam-se no locus privilegiado onde uma grande responsabilidade emerge, visto que ali se deve proferir o veredicto, ou seja, o dito verdadeiro, ao sentenciar.

Nessa arte, os magistrados a todo tempo atribuem sentido a diferentes manifestações discursivas até que “aconteça” a decisão fundada no convencimento vinculado e motivado normativamente, bem como baseado no conjunto probatório.

Por isso, como bem anota Resta, os juízes atuam como maître du langage,poética expressão encontrada na obra Pour l’amitiè de Blanchot para traduzir o singular poder constitutivo da linguagem no processo, bem como a constante tentativa do juiz em governá-lo ao dizer o direito e dar a última palavra, pondo fim à controvérsia[4].

A expressão maître du langage pode sugerir também que o juiz traduz cada palavra por meio de seus próprios referenciais linguísticos[5], o que pode significar um grave risco à justa resolução processual, uma vez que a atividade cognitiva humana está sempre sujeita a antecipações de sentido.

A hermenêutica filosófica mostra que só é possível compreender aquilo que, desde antes, possui alguma estrutura mínima de pré-compreensão, o que significa que a antecipação de sentido é condição essencial para a compreensão.

De outro lado, a psicanálise (Freud-Lacan) assinala que, por meio das metáforas e metonímias, manifestações inconscientes promovem giros de sentido na estrutura da linguagem consciente, impossibilitando o controle racional da decisão judicial (Jacinto Coutinho).

Tratarei das metáforas e metonímias em coluna própria, mas desde já destaco que é preciso não descuidar das lições hermenêuticas (Heidegger – Gadamer), mostrando que há importante diferença entre pré-juízos autênticos — logos do mundo compartilhado que sustentam o sentido — com pré-juízos particulares e idiossincráticos. Estes contaminam a decisão, impregnando-a de inadmissível voluntarismo jurídico (Streck), especialmente quando objetificados na forma de premissa fundante do raciocínio judicial, determinando sua conclusão (primado da hipótese sobre os fatos).

Como se tal quadro já não fosse suficientemente grave na seara do Direito Penal, por atingir o próprio direito de defesa, ele tem se alastrado em outras áreas do direito, ainda que de formas diferenciadas.

Especialmente em matéria constitucional os riscos para a democracia são evidentes, já que os julgamentos não devem recair em manifestação de “vontade de potência” sob pena de atribuir ao Judiciário poderes de um novo soberano que decide para além da Constituição, pois isso viola os próprios ideais do constitucionalismo moderno, fundado na ideia de racionalização, limitação e equilíbrio no exercício do poder[6].

Eis, então, a primeira tarefa para o adequado desvelamento dos casos jurídicos: adotar uma atitude constante de suspeição de si, isto é, tornar regra a desconfiança acerca de suas verdades e das antecipações que o próprio sujeito judicante faz do caso, em um trabalho de Sísifo a fim de minimizar a contaminação do resultado com suas concepções morais e idiossincrasias assumidas como verdade.


[1] CORDERO, Franco. Guida alla procedura penale. Torino: UTET, 1986. p. 51

[2] NIETZSCHE, Friedrich. Vontade de potência: parte 2. Trad. Mário D. Ferreira Santos. São Paulo: Scala, [2006?]. p. 251-252.

[3] NIETZSCHE, Friedrich W. Su verità e menzogna in senso extramorale In: _____. Verita e menzogna: A cura di Sossio Giametta. Milano: BUR, 2006. p. 175.

[4] RESTA, Eligio. Il diritto fraterno. 2 ed. Roma-Bari: Laterza, 2006. p. 62.

[5] RESTA, Eligio. Il diritto fraterno…, p. 63.

[6] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 51.

 é presidente da Academia Brasileira de Direito Constitucional – ABDConst, Professor de Direito e Pensamento Político na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ e Advogado.