Deferir Trabalho Externo no PEC

4a Vara Criminal.

Autos n.  0002579-86.2012.8.24.0023 – Execução da Pena

Vistos para decisão.

Os autos retornaram do Juízo da Execução com o registro de que o pedido de trabalho e estudo externos seria analisado somente quando * estiver preso. O mandado de prisão ainda não foi cumprido.

* está trabalhando, conforme comprovante autenticado de sua carteira de trabalho (fls. 44/46). Está cursando Ciências Contábeis, conforme declaração original que juntou (fl. 47). Ainda, juntou cópia da escritura pública de reconhecimento de união estável (fl. 71/72), de declaração de estágio na XXXX (fl. 73) e de comprovante de residência (fl. 96).

 O último parágrafo da decisão de fls. 77/78, também prolatada pelo Juízo da Execução, determinava o retorno destes autos de Processo de Execução a este juízo da condenação, pois não houve cumprimento ao mandado de prisão de *.

 O Juízo da Execução negou o pedido, pois alegou que a fixação de regime inicial da pena é da competência do juiz sentenciante, e que o artigo 33, § 2º, “b” do Código Penal prevê o início do cumprimento no regime semiaberto, considerando o patamar de pena aplicada (fls. 77/78).

 Na última decisão, acima colacionada, verifica-se que se condicionou a análise do pedido de trabalho e estudo externos à prisão de * (fl. 113).

 Vieram-me os autos conclusos.

 Decido

.Em primeiro lugar é preciso estabelecer qual foi o ponto da negativa por parte do Juízo da Execução. A Vara de Execuções Penais não analisou o pedido de trabalho externo, pois o apenado não se encontra preso.

 Ocorre que * não é foragido. Trabalha, estuda e vive maritalmente com pessoa nesta comarca. Apenas não se apresentou para o cumprimento da pena, pois, já totalmente “ressocializado”, busca cumprir a pena, sim, mas sem ter que deixar os estudos e o trabalho.

 A Defesa sustenta que, conforme jurisprudência do STJ não é necessário o cumprimento de 1/6 da pena a fim de possibilitar a concessão de trabalho externo a apenado, desde que favoráveis as circunstâncias pessoais.

 Portanto, não houve análise acerca do pedido propriamente dito.

 É sabido que existe Portaria do Juízo da Execução da Capital, sob n. 004/2012, que determina a necessidade de cumprir lapso de 1/12 (um doze avos) da pena, contado a partir da progressão de regime para que se possibilite a autorização para trabalho externo.

 Em decisão do dia 16 de abril de 2013, o egrégio Tribunal de Justiça, em sede do Habeas Corpus n. 2013.017516-3, da relatoria da eminente Desembargadora Marli Mosimann Vargas, reconheceu flagrante ilegalidade na Portaria sobredita, que “extrapolou a competência legislativa ao estabelecer requisitos mínimos – além daqueles previstos na Lei de Execução Penal e no Código Penal – para a concessão do trabalho externo, razão pela qual, a decisão proferida pelo referido Juízo, baseada exclusivamente na mencionada Portaria, incorreu em flagrante ilegalidade.“:

 HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. ILEGALIDADE CONSTATADA DE PLANO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE PERMITE O CONHECIMENTO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. IRRESIGNAÇÃO QUANTO À DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE CONCESSÃO DE TRABALHO EXTERNO, COM BASE NA PORTARIA N. 004/2012 DA VARA DE EXECUÇÕES PENAIS DA COMARCA DA CAPITAL. JUÍZO QUE EXTRAPOLA OS LIMITES DE SUA COMPETÊNCIA. BENEFÍCIO CONDICIONADO À PRESENÇA DE REQUISITOS NÃO PREVISTOS EM LEI. AFRONTA À LEGISLAÇÃO PERTINENTE À MATÉRIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. DECISÃO CASSADA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO, TODAVIA, INVIÁVEL EM SEDE DE HABEAS CORPUS. QUESTÃO QUE DEMANDA EXAME APROFUNDADO DA PROVA. NECESSIDADE, PORTANTO, DE ANÁLISE DOS REQUISITOS SUBJETIVOS NA ORIGEM, SOB PENA DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA EM PARTE.

Portanto, tem-se ciência acerca da impossibilidade de aplicação da Portaria 004/2012, pois ilegal.

 O pedido de fundo, porém, também merece deferimento. O Superior Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, concedido, em sede de “habeas corpus”, ordens para que se possibilite que apenado do regime semiaberto, desde que favoráveis as condições pessoais, possa receber o benefício do trabalho externo independentemente do cumprimento de 1/6 da pena, desde que favoráveis as condições pessoais, veja-se a seguir, extraído de julgado da Quinta Turma:

 HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REGIME INICIAL SEMIABERTO. BENEFÍCIO DO TRABALHO EXTERNO CONCEDIDO PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES E CASSADO PELO TRIBUNAL A QUO. DIREITO DO CONDENADO INDEPENDENTEMENTE DE CUMPRIMENTO MÍNIMO DA PENA, DESDE QUE PRESENTES CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. ORDEM CONCEDIDA.1. Admite-se a concessão do trabalho externo ao condenado em regime semiaberto, independentemente do cumprimento de, no mínimo, 1/6 da pena, desde que verificadas condições pessoais favoráveis pelo Juízo das Execuções Penais. Precedentes.2. Ordem concedida, para permitir o trabalho externo do Paciente, nos moldes determinados pelo Juiz de primeiro grau.(HC 251.107/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 12/03/2013, DJe 19/03/2013)

E, ainda:

 CRIMINAL. HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO. REGIME SEMIABERTO. TRABALHO EXTERNO. EXIGÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE 1/6 (UM SEXTO) DA PENA. DESNECESSIDADE. ORDEM CONCEDIDA.I. A jurisprudência desta Corte firmou entendimento no sentido de que o trabalho externo é admissível aos condenados ao regime semiaberto, independentemente do cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena.II. Ordem concedida, nos termos do voto do relator.(HC 184.291/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 16/05/2011)

E da lavra da Sexta Turma:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. (1) IMPETRAÇÃO SUBSTITUTIVA DE RECURSO ESPECIAL. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) REGIME SEMIABERTO. TRABALHO EXTERNO. CUMPRIMENTO DE 1/6 DA PENA.DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. PATENTE ILEGALIDADE. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem como substitutiva de recurso especial.2. Este Superior Tribunal de Justiça sufragou o entendimento de que não é necessário o cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena para se autorizar o condenado em regime inicial semiaberto a exercer trabalho externo. Ressalvado o ponto de vista desta Relatora.3. Ordem não conhecida; concedido habeas corpus de ofício para restabelecer a decisão de primeiro grau, que assegurou ao paciente o benefício do trabalho externo, independentemente do cumprimento de 1/6 (um sexto) da pena.(HC 255.781/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 07/02/2013, DJe 20/02/2013)

E, ainda:

RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL.IMPETRAÇÃO DE PRÉVIO WRIT QUE NÃO FOI CONHECIDA NA PARTE REFERENTE AO PEDIDO DE TRABALHO EXTERNO. VIA CONSIDERADA IMPRÓPRIA. CONDENADO EM REGIME INICIAL SEMIABERTO. CUMPRIMENTO DE 1/6 DA PENA.DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. RECURSO NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.1. Este Superior Tribunal de Justiça tem firme jurisprudência no sentido da ilegalidade de se exigir o cumprimento de 1/6 da pena em regime inicial semiaberto para permitir o trabalho externo aos apenados. Ressalvado o ponto de vista desta Relatora.2. Recurso não conhecido, tendo em vista que o Tribunal de origem não apreciou a matéria, sob pena de indevida supressão de instância.Ordem concedida, de ofício, apenas para afastar a exigência de cumprimento de 1/6 da pena para concessão do trabalho externo, devendo os demais requisitos ser reexaminados pelo Juízo das Execuções.(RHC 31.555/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 13/12/2012)

Das razões do julgado do primeiro julgado aqui colacionado, HABEAS CORPUS Nº 251.107 – RS (2012⁄0167075-2), extrai-se que:

Sobre o tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que é desnecessário o cumprimento de 1⁄6 (um sexto) da pena, no mínimo, para a concessão do benefício do trabalho externo ao condenado a cumprir a reprimenda no regime semiaberto, desde que satisfeitos os demais requisitos necessários, de natureza subjetiva, mesmo quando se tratar de regime inicial.

Confira-se, a propósito, o seguinte trecho do voto do eminente Ministro Gilson Dipp, acolhido pela Quinta Turma por unanimidade, por ocasião do julgamento do HC n.° 19.156⁄RS,in verbis:

“[…] Na presente impetração, sustenta-se que o paciente teria direito ao trabalho externo, além de que estaria preso em regime fechado. Merece prosperar a irresignação. Já firmei posição no sentido de admitir o trabalho externo aos condenados ao regime semi-aberto, independentemente do cumprimento de 1⁄6 da pena – ainda mais quando constatadas condições pessoais favoráveis do agente.  Incide, na hipótese, a lógica do critério da razoabilidade, que se faz necessário na adaptação das normas de execução à realidade social e à sua própria finalidade, ajustando-as ao fato concreto – daí porque o caráter programático de certas normas constantes da Lei de Execução, ao qual se deve atentar sempre. A individualização da solução, portanto, não pode ser tida como ilegal, em atenção ao propósito final da sistemática penal. Nesse sentido, Júlio Fabbrini Mirabete, in Comentários à Lei n.º 7.210⁄84, 6.ª Edição, São Paulo, Atlas, 1996, págs. 107⁄108:  ‘O trabalho externo é uma atenuação gradativa inserida no regime de execução da pena em estabelecimento fechado, determinando-se ainda que se exija do condenado o cumprimento de pelo menos um sexto da pena’; […] ‘Embora na jurisprudência, se tem exigido que, iniciando o condenado o cumprimento da pena em regime semi-aberto, há necessidade também que tenha cumprido um sexto da pena, existe orientação diversa fundada na inexistência de regra expressa a respeito do tempo de cumprimento de pena no regime semi-aberto, deixando a concessão ao prudente critério da oportunidade e conveniência do juiz da execução […].

No mesmo sentido:

“HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. REGIME INICIAL SEMIABERTO. BENEFÍCIO DO TRABALHO EXTERNO. DIREITO DO CONDENADO INDEPENDENTEMENTE DO CUMPRIMENTO DE PERCENTUAL DA PENA, DESDE QUE PRESENTES CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS, AINDA NÃO APRECIADAS PELO JUÍZO DAS EXECUÇÕES PENAIS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DESCABIMENTO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. Admite-se a concessão do trabalho externo desde o início ao condenado em regime semiaberto, desde que verificadas condições pessoais favoráveis no caso concreto pelo Juízo das Execuções Penais. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Ordem parcialmente concedida para, afastada a necessidade de cumprimento de percentual mínimo da pena no regime intermediário, determinar ao Juízo das Execuções Penais que prossiga na análise dos requisitos subjetivos necessários para a concessão do benefício do trabalho externo ao ora Paciente. ” (HC 133.350⁄RS, 5.ª Turma, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe de 12⁄04⁄2010.)

“HABEAS CORPUS. TRABALHO EXTERNO. REGIME PRISIONAL SEMIABERTO. EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DE 1⁄6 (UM SEXTO) DA REPRIMENDA. REQUISITO DESNECESSÁRIO. ASPECTO SUBJETIVO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte consolidou o entendimento de que independentemente do cumprimento do lapso de 1⁄6 (um sexto), presentes as condições pessoais favoráveis, deve ser concedido, ao condenado em regime semiaberto, a autorização para o trabalho externo. 2. Não tendo as instâncias ordinárias se manifestado sobre o preenchimento do requisito subjetivo, não há como este Sodalício decidir sobre a concessão do benefício, sob pena de incorrer supressão de instância. 3. Ordem concedida em parte tão-somente para afastar o óbice referente a exigência do cumprimento de 1⁄6 (um sexto) da reprimenda no modo semiaberto para a concessão do trabalho externo, devendo os demais requisitos serem analisados pelo Juízo das Execuções Criminais. (HC 118.678⁄RS, 5.ª Turma, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 03⁄08⁄2009.)

“HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO. TRABALHO EXTERNO. CONDENADO EM REGIME INICIAL SEMI-ABERTO. CUMPRIMENTO DE 1⁄6 DA PENA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. 1. Este Superior Tribunal de Justiça tem firme jurisprudência no sentido da ilegalidade de se exigir o cumprimento de 1⁄6 da pena em regime inicial semi-aberto para lhe permitir o trabalho externo. Ressalvado o ponto de vista da Relatora. 2. Ordem concedida para, restabelecendo a decisão de 1ª instância, permitir ao paciente o trabalho externo, desde que aferida pelo Juízo das Execuções a manutenção dos demais requisitos para a concessão do benefício, sendo prescindível o cumprimento de 1⁄6 da pena. “ (HC 78.557⁄RS, 6.ª Turma, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ de 26⁄11⁄2007.) Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM, para permitir o trabalho externo do Paciente, nos moldes determinados pelo Juiz de primeiro grau. É como voto.

Ante o exposto, verifica-se que é firme o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema. Apenados que cumprem pena no regime inicial semiaberto têm direito a trabalho externo, desde que favoráveis suas circunstâncias pessoais.

O que se busca deixar aqui evidenciado é que não há razão lógica, nem é razoável que uma pessoa que cometeu crime em 13.4.2006, agora, no ano de 2013, exatos 7 (sete) anos depois, quando já se encontra totalmente ressocializada, a dizer, constituiu família, tem residência, trabalho e inclusive cursa faculdade, tenha que voltar para a cadeia, ser encarcerada, largar o emprego, largar o estudo, tudo para permanecer presa a fim de que – pois é objetivo da pena – seja ressocializada?? Pois o cumprimento da pena também se dará com o trabalho e estudo externo autorizados, quer dizer, com a apresentação de * na Casa do Albergado para o repouso noturno. No caso, figura absurdo o encarceramento de pessoa totalmente “ressocializada”, totalmente integrada à sociedade, que não ostenta mais qualquer ocorrência policial ou judicial.

 No mesmo sentido, é kafkaniano que * tenha que ir preso, para, somente em recurso ao Superior Tribunal de Justiça, ter reconhecido o direito ao trabalho externo. O sistema penal deve se prestar ao seu fim último, o de ressocializar, possibilitar novamente a inclusão de pessoas na vida social. Ocorre que, neste caso em concreto, a toda evidência, * está reinserido na vida em sociedade, e não se lhe deve ser negado o direito de continuar trabalhando e estudando, até porque possui família constituída. Portanto, em atenção ao firme posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, e, em atenção às circunstâncias pessoas favoráveis, DEFIRO o trabalho e estudo externo a *, podendo continuar seu trabalho e estudo externos, apenas se apresentando à Casa do Albergado para o repouso noturno.

 Expeça-se nova guia de recolhimento, com essa especificação, encaminhando-se ao Diretor da Casa do Albergado.


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