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Adimplemento Substancial na Suspensão Condicional do Processo já usada pelo Defensor Público Lucas Corrêa Abrantes Pinheiro

 

O link do arquivo utilizado, aqui

MM Juiz,

A Defesa requer a extinção da punibilidade pelo cumprimento do período de prova.

Aduz para tanto as seguintes teses:

DO FIM DO PERÍODO DE PROVA SEM REVOGAÇÃO OPORTUNA

Sobre a prática de novo delito no curso do período de prova (fl.97), deveria ter se manifestado o Ministério Público antes do termo final do período em questão.

O pedido de revogação de fls.97 foi feito por cota pelo Ministério Público em 27/02/2014, ou seja, 22 dias depois de atingido o termo final do período de prova sem revogação, o que ocorreu em 06/02/2014 (fl.90).

O pedido de revogação nesses termos ofende a literalidade do §5º, do art.89 da Lei 9099/95 que diz:

§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.

A decisão de extinção da punibilidade pela expiração do período de prova, veja-se a precisão do legislador, é declaratória e não constitutiva, o que leva à conclusão de que em 06/2/2014 o período de prova terminou, dependendo apenas de declaração.

Se onde há a mesma razão deve ser aplicado o mesmo direito, impõe-se observar pela similitude a sólida jurisprudência do STJ sobre o fim do período de prova do livramento condicional sem revogação:

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. NOVO CRIME. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO SUSPENDENDO OU REVOGANDO O BENEFÍCIO DURANTE PERÍODO DE PROVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A suspensão do curso do livramento condicional até a decisão definitiva do processo resultante da imputação da prática do crime durante a sua vigência é medida cautelar, dependente de decisão judicial específica. Não tendo havido a suspensão cautelar, corre sem óbice o prazo do livramento, cujo termo, sem revogação, implica extinção da pena. (STF, HC 81879-0/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/8/2002).

2. Não tendo sido suspenso, por medida cautelar, o livramento condicional durante o período de prova, impõe-se a declaração de extinção da pena, não se mostrando possível a revogação posterior do benefício.

3. Decisão que se mantém por seus próprios fundamentos.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.

(AgRg no HC 112.076/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 06/12/2010)

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. NOVO DELITO COMETIDO DURANTE A SUA VIGÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA DE SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO NO PERÍODO DE PROVA. EXTINÇÃO DA PENA.

1. Decorrido o período de prova do livramento condicional sem suspensão ou prorrogação do benefício, fica extinta a pena privativa de liberdade, a teor dos arts. 90 do Código Penal e 146 da Lei de Execução Penal. Precedentes desta Corte e do Excelso Pretório.

2. Ordem concedida, para julgar extinta a pena do Paciente relativamente ao crime objeto do livramento condicional.

(HC 194.055/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 06/04/2011).

CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. TENTATIVA. EXECUÇÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PLEITO DE EXTINÇÃO DE PENA. AUSÊNCIA DE SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO APÓS TERMINO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. SITUAÇÃO VENCIDA PELO DECURSO DE TEMPO.

INCIDÊNCIA DO ART. 90 DO CP. EXTINÇÃO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA.

Hipótese na qual foi revogado o livramento condicional do réu, após o fim do período de prova, em razão do cometimento de novo crime no curso do benefício.

II. Ausência de manifestação ministerial oportuna, sendo que, encerrado o período de prova em 08/08/2006, a revogação do benefício só foi pleiteada em 14/11/2008, tendo sido concretizada em 26/11/2008.

III. Não obstante a revogação do livramento condicional seja obrigatória, no caso do art. 86, I, do CP, faz-se mister a suspensão cautelar do benefício, ainda no curso do período de prova, antes da revogação. Precedentes.

IV. Inteligência do art. 732 do Código de Processo Penal e art. 145 da Lei de Execuções Penais.

V. Permanecendo inerte o Órgão fiscalizador, não se pode restringir o direito do réu, após o cumprimento integral do benefício, restabelecendo situação já vencida pelo decurso de tempo. Incidência do disposto no art. 90 do Código Penal.

VI. Deve ser declarada extinta a pena privativa de liberdade do paciente, relativamente ao processo n.º 289374/2004, da 4ª Vara Criminal da Comarca de Sorocaba/SP.

VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

(HC 151.686/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 18/10/2010).

Portanto, o fim do período de prova (06/02/2014 –cf.fl.90) sem efetiva revogação deve implicar a declaração de extinção da punibilidade.

Mas não é só.

DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO

Para além do efetivo cumprimento do período de prova sem revogação oportuna, cabe destacar que o beneficiário demonstrou compromisso ao longo dos dois anos de cumprimento das condições firmadas.

Mera contagem nos documentos de fls. 84, 88 e 90 demonstra que ele compareceu em 23 das 24 vezes em que deveria estar em juízo, incluindo-se uma prorrogação.

Nas vezes em que se ausentou, compareceu posteriormente para justificar as faltas, demonstrando comprometimento com a Justiça, ainda quando o período de prova foi prolongado.

Não existe, de outra banda, notícia de que tenha descumprido as condições 2 e 3 impostas às fls. 65/66.

O comportamento de quem age com boa-fé objetiva não deve ser desprezado.

A suspensão condicional do processo é uma forma de negociação processual e muito se assemelha a um contrato firmado pelo beneficiário com a Justiça com estipulação de obrigação divisível.

Lembremos que o artigo 89 da Lei 9.099/95 é uma das formas de justiça consensual na seara criminal.

Se pensarmos na incidência do direito fundamental à individualização da pena – que impõe a adequação da sanção conforme as condições particulares do acusado – seria possível fazer paralelo com os chamados contratos relacionais.

Essa argumentação demonstra que os ramos do Direito são interdependentes e comunicam-se initerruptamente, reafirmando a unidade do ordenamento jurídico.

Pensar o Direito dessa forma é um modo concreto de realização de Justiça.

Pois bem.

Sob essa perspectiva da suspensão condicional do processo como acordo entre beneficiário e a Justiça, é possível traçar paralelo com institutos do direito civil e sustentar aqui a teoria do adimplemento substancial do contrato.

Diz o artigo 415 do Código Civil:

Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.

Impor a revogação da suspensão condicional do processo quando o beneficiário adimpliu 23 das 24 obrigações de comparecimento, ou seja, quando adimpliu 95,83% de sua obrigação, significa desatender à regra de Justiça consubstanciada na proporcionalidade.

Agindo assim, será o Judiciário quem estará quebrando as regras da confiança e da boa-fé objetiva.

Sustentando a aplicação da teoria do adimplemento substancial do contrato para equacionamento e compreensão da suspensão condicional do processo, o juiz Alexandre Morais da Rosa afirma que:

Aplicando tal teoria ao direto penal, mais especificamente, à suspensão condicional do processo, com base nos princípios da boa-fé objetiva, proporcionalidade, equidade e celeridade processual, corolário do devido processo legal substancial, não é cabível a revogação do acordo entre as partes quando, o acusado de boa-fé, cumprindo parte substancial das condições, não cumpre, por exemplo, com o dever de comparecer em juízo no período acordado ou mesmo não quita parte da parcela monetária. Ora, como movimentar o Poder Judiciário com audiência de justificativa, intimando o acusado, tomando tempo do advogado, juiz e representante do Ministério Público para que seja explicado o não comparecimento parcial ou mesmo de parcela insignificante do acordado? Necessária se faz a aplicação da teoria do adimplemento substancial, no mesmo contexto em que vem sendo aplicada nos contratos, pois a problemática cotidiana do exacerbado formalismo atingiu, também, a suspensão condicional do processo.

Por isso, quem sabe, a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial no campo da Suspensão Condicional do Processo possa ser um sendero na aplicação do devido processo legal substancial, evitando gastos desnecessários e atendendo ao fim do instituto. (íntegra do artigo em anexo).

O reconhecimento da procedência dos argumentos aqui invocados é de rigor.

DO PEDIDO

Assim, considerando:

  1. Que o termo final do período de prova foi atingido sem revogação em 06/02/2014;

  2. Que o pedido de revogação só ocorreu após o término do período de prova, ou seja, em 27/02/2014;

  3. Que a eficácia da decisão que reconhece o fim do período de prova é declaratória e não constitutiva;

  4. Que foram estipuladas 3 condições;

  5. Que das três condições pactuadas, duas foram integralmente cumpridas;

  6. Que o descumprimento da condição 1 equivale a apenas 4,17% da obrigação inicial assumida, ou seja, tendo em conta que cumpriu-se 95,83% da obrigação de comparecimento mensal em juízo;

  7. Que as faltas foram justificadas posteriormente e deram-se por problema de saúde;

Requer-se o reconhecimento do fim do período de prova sem revogação e do adimplemento substancial para declarar extinta a punibilidade.

Termos em que,

Pede deferimento.

São Carlos, 26 de março de 2014.

Lucas Corrêa Abrantes Pinheiro

Defensor Público do Estado

 


CNJ e Processo Digital

Publicação: 1     
Data de Publicação: 28/02/2014        No TRIBUNAL: Diário
Jornal: Tribunais Superiores
Tribunal: PRESIDÊNCIA (CNJ)
Vara: Secretaria Geral. Secretaria Processual
Seção: DJ Seção Única
Página: 00109
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0005139-06.2013.2.00.0000
Requerente: Associacao Cearense do Ministerio Publico – ACMP
Interessado: Eulerio Soares Cavalcante Junior
Requerido: Tribunal de Justica do Estado do Ceara
PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. PROCESSO ELETRONICO. SISTEMA DE AUTOMACAO DA JUSTICA. IMPLANTACAO
PARCIAL. ARQUIVOS DE AUDIO E VIDEO. PUBLICIDADE PRECARIA. NECESSIDADE REGULARIZACAO.
1. O questionamento posto na inicial envolve a nao disponibilizacao de arquivos processuais digitais de audio e video, colhidos na instrucao
processual a titulo de prova oral, quando da consulta on-line de autos geridos eletronicamente.
2. A Lei n.º 11.419/2006 passou a estabelecer preferencial parametro para transmissao (envio e recebimento) dos documentos digitais, dando
enfase a necessidade de utilizacao da rede mundial de computadores. O principio constitucional da eficiencia impoe a Administracao Publica a
melhor gerencia dos recursos disponiveis, com o objetivo na optimizacao dos resultados quando da realizacao do servico publico.
3. Necessidade de aprimoramento para garantia da publicidade. Compatibilidade com a Resolucao CNJ n.º 185/2013.
4. Procedencia.
RELATORIO
Cuida-se de Procedimento de Controle Administrativo proposto pela Associacao Cearense do Ministerio Publico – ACMP, ente associativo que
representa os Membros do Ministerio Publico do Estado do Ceara, em desfavor do Tribunal de Justica do Estado do Ceara, no qual solicita,
inclusive em sede de liminar, regularizacao do acesso ao Sistema de Automacao da Justica – SAJ, com disponibilizacao dos arquivos digitais
de audio e video.
Sustenta que, com a implantacao gradual do SAJ em varias comarcas do Estado do Ceara, os atos processuais passaram a ser realizados por
meio desse sistema eletronico, que tem o objetivo de facilitar o acesso ao Poder Judiciario, dando transparencia e agilidade na tramitacao dos
processos. Contudo, na pratica, aduz que o sistema vem gerando uma serie de problemas para o conhecimento dos documentos processuais.
Relata que o SAJ impede que o Ministerio Publico, os advogados e os defensores tenham acesso ao conteudo integral do processo.
Particularmente nas varas criminais e de familia, os promotores nao conseguem visualizar o conteudo das instrucoes processuais gravadas em
midia de som e imagem quando das audiencias. O sistema apenas disponibiliza imagens em formato PDF, como pode ser observado, a titulo
de exemplo, no Proc. n.º 0176967-35.2012.8.06.0001.
Afirma que apesar do sistema noticiar a existencia de midias contendo os depoimentos orais, tal circunstancia efetivamente nao ocorre, sendo
vedado o acesso as provas orais, o que inviabiliza a atuacao ministerial como dominus litis e fiscal da lei.
Informa, por fim, que o MP tambem nao dispoe de ferramenta para conhecer a quantidade de processos em tramitacao nas varas. Diante dos
fatos acima narrados, a Associacao requerente solicita, inclusive em sede de liminar, providencias para o pleno e total acesso ao conteudo do
processo, com especial disponibilizacao dos arquivos digitais de audio e video pela rede mundial de computadores.
Em sua manifestacao de defesa (INF13), o TJCE noticia, preliminarmente, a existencia do Mandado de Seguranca n.º 0030374-06.2013.2.00.0000, em tramite junto ao TJCE e que possui o mesmo objeto do presente PCA. No merito, informa que a implantacao do SAJ vem ocorrendo de forma parcial, ja comtemplando as Varas de Fazenda Publica, de Execucoes Fiscais, de Execucoes Penais e de Familia
da Comarca de Fortaleza. Contudo, a implantacao ainda e parcial nas varas criminais.
O Tribunal aduz que o sistema demanda constante desenvolvimento, em razao da existencia de dificuldades na sua operacao. Aponta, como exemplo, o problema no acesso, pelos usuarios externos (via internet), aos arquivos de audio e video (prova oral). Aduz que a dificuldade operacional, contudo, nao inviabiliza a atuacao de qualquer dos operadores do direito, pois os questionados arquivos digitais de audio e video sao fornecidos diretamente aos interessados em Secretaria (CD, DVD, pendrive, etc.), mediante simples solicitacao, postura identica aquela adotada para os processos fisicos. Esclarece, por fim, que o acesso pretendido, sem a seguranca necessaria da rede, colocaria em risco os dados do
TJCE, bem como podera configurar quebra de contrato com a empresa gestora do sistema.
Em nova manifestacao (REQAVU12), a Associacao requerente informa que protocolou junto ao TJCE pedido de desistencia do Mandado de
Seguranca n.º 0030374-06.2013.2.00.0000.
A liminar postulada na inicial foi indeferida nos termos da DEC14 (evento 21), especialmente porque o Tribunal informou que o problema de acesso `as midias estavam sendo solucionados com a entrega em CD,. DVD ou pen drive. Para tanto, em juizo sumario, foi considerada a ausencia dos requisitos autorizadores do pedido. Considerou-se que as alteracoes abruptas, sem a necessaria evolucao tecnica do sistema, com
compatibilizacao dos arquivos para trafego na rede mundial de computadores, poderia ensejar inseguranca para o proprio sistema.
Conforme consta na DEC15, identico requerimento formulado pelo Exmo. Procurador de Justica do Estado do Ceara, Dr. Eulerio Soares Cavalcante Junior, foi juntado aos presentes autos para analise conjunta (eventos 25 e 26), arquivando-se o feito de origem (PCA n.º
4878-41.2013).
O Tribunal requerido renovou manifestacao nos autos (INF21) para informar que “Atento a necessidade de qualificar a forma de acesso, o TJCE, atraves da propria Secretaria de Tecnologia da Informacao (SETIN), desenvolve sistema de acesso controlado, com autenticacao, para viabilizar que tais arquivos possam ser disponibilizados atraves da Internet (ainda que fora do SAJ, se necessario for). Almeja-se testar referido sistema ate o final do corrente mes de outubro de 2013”. Informou, ainda, que o TJCE demandou da SOFTPLAN, empresa responsavel pela gestao do SAJ, aprimoramento do sistema disponivel, visando permitir o acesso aos arquivos de audio e video por parte de usuarios nao integrantes
do Poder Judiciario cearense.
Por fim, em atencao a solicitacao constante do DESP20, o Departamento de Monitoramento e Fiscalizacao do Sistema Carcerario do CNJ (DMF) apresentou parecer tecnico sobre o Sistema SAJ (INF23). Considerando a utilizacao do questionado sistema eletronico quando da realizacao do Mutirao Carcerario realizado no Estado do Ceara (Proc. CNJ n.º 2012.02.00.000124-5), o Juiz-Auxiliar da Presidencia do CNJ, Dr. Douglas de Melo Martins, representando o DMF, esclareceu: a) durante o mutirao carcerario, o TJCE concedeu acesso ao Ministerio Publico do Ceara, em carater excepcional, ao Sistema SAJ; b) quanto ao sistema E-SAJ, entende existir dissonancia com a eficiencia almejada pela Lei n.º 11.419/2006, pois o usuario externo encontra grande dificuldade na gestao dos processos, como tambem nao possui acesso aos arquivos digitais de audio e video referentes as provas orais colhidas nos autos, necessitando dirigir-se a Secretaria da Vara para tal fim; c) relata o Portal E-SAJ nao organiza os processos a disposicao do usuario externo, deixando de informar o acervo geral, os processos pendentes de manifestacao com prazo vigente, etc.; d) em razao dos obstaculos impostos a consecucao dos trabalhos, esclarece que o MP, a Defensoria Publica, a Procuradoria do Estado e propria OAB ficam refens da empresa gestora do sistema; e) por fim, considerando a necessidade de transparencia e do mais amplo acesso ao conteudo dos processos, informa que o Processo Judicial Eletronico (PJe) disponibiliza ao usuario externo um Portal com as
adequacoes ora pleiteadas.
Passo ao voto.
VOTO
Diante da noticiada desistencia do Mandado de Seguranca n.º 0030374-06.2013.2.00.0000, viavel a apreciacao da questao por este Conselho.
No caso em apreco, o questionamento central posto na inicial envolve a nao disponibilizacao de arquivos processuais digitais de audio e video, colhidos na instrucao processual a titulo de prova oral (depoimento das partes, oitiva das testemunhas, etc.) quando da consulta online de autos
geridos eletronicamente pelo Sistema de Automacao Judicial (SAJ).
Conforme esclareceu o Tribunal requerido, o sistema eletronico referido ainda nao foi implantado em sua totalidade. Foram constatados problemas operacionais que dificultam alguns expedientes, em especial para os usuarios externos que utilizam o sistema por meio do portal E-SAJ (internet). Nao obstante, objetivando transpor tais dificuldades, o TJCE disponibiliza, quando solicitado nas secretarias das varas, todos os documentos existentes nos autos, inclusive os arquivos digitais de audio e video, com transferencia dos arquivos para CD, DVD ou pendrive. Ciente da falha
operacional, o Requerido informou que vem desenvolvendo sistema para viabilizar a disponibilizacao on-line dos arquivos de audio e video.
Como cedico, o Direito Processual brasileiro vem sofrendo constante evolucao. A nova sistematica (processo eletronico) vem tardiamente engajada na evolucao cultural e tecnologica vivenciada na sociedade moderna, na qual novas relacoes sao travadas, novos metodos de
comunicacao sao estabelecidos, formas dinamicas de transmissao de dados e armazenamento de documentos sao criadas.
Diante de tal avanco tecnologico, o Poder Judiciario vem enfrentando importante desafio que tem exigido o aprimoramento na sua forma de funcionamento. Essa tendencia e firmada no proprio bojo da Constituicao Federal de 1988, cujo rol normativo dos direitos e garantias fundamentais passou a contar com uma quantidade nunca antes prevista de dispositivos de natureza instrumental. Mais particularmente com a publicacao da Emenda Constitucional n.º 45/2004, o legislador constituinte derivado passou a estabelecer o direito publico subjetivo a celeridade processual no rol dos direitos e garantias fundamentais (principio da eficiencia – art. 5º, inciso LXXVIII, da CF), importante marco que serve de fomento ao Poder Judiciario para a utilizacao de metodos modernos e eficientes disponiveis no mundo globalizado, em especial com o uso da tecnologia disponivel.
Por muito tempo o sistema processual brasileiro encontrava-se afeicoado apenas ao uso do papel, apontando em termo todos os depoimentos prestados pelas partes e testemunhas. Ocorre que, com o advento da Lei n.º 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispoe sobre a informatizacao do processo judicial, o Poder Judiciario passou a trilhar moderno caminho que tem como paradigma base digital/eletronica. Dita “evolucao” e insercao na era digital, demandou o aprimoramento da propria Lei n.º 9.800/99, que permite a utilizacao de sistema de transmissao
de dados (via fac-simile) para a pratica de atos processuais.
Assim, a Lei do Processo Eletronico, que vige no nosso ordenamento juridico desde 2006, passou a prever o armazenamento e o trafego de documentos e arquivos digitais por meio da rede mundial de computadores (art. 1º, § 2 º), com o objetivo de tornar celere a comunicacao de atos
e a transmissao de pecas processuais. Passou a estabelecer permissivo amplo para a producao e o armazenamento de documentos de modo
integralmente digital, modificando dispositivo do Codigo de Processo Civil. Cite-se:
Art. 169.
§ 2º Quando se tratar de processo total ou parcialmente eletronico, os atos processuais praticados na presenca do juiz poderao ser produzidos e armazenados de modo integralmente digital em arquivo eletronico inviolavel , na forma da lei, mediante registro em termo que sera assinado digitalmente pelo juiz e pelo escrivao ou chefe de secretaria, bem como pelos advogados das partes. (Incluido pela Lei nº
11.419, de 2006). (grifei)
Com esse pensamento, o artigo 8º da Lei n.º 11.419/2006 consolidou o chamado processo virtual, possibilitando o desenvolvimento de sistema eletronico para processamento de acoes judiciais, por meio de autos total ou parcialmente digitais, acessiveis por meio da Internet, com a devida
certificacao digital para conferir validade e autenticidade do documento.
Art. 8º Os orgaos do Poder Judiciario poderao desenvolver sistemas eletronicos de processamento de acoes judiciais por meio de autos total ou
parcialmente digitais, utilizando, preferencialmente, a rede mundial de computadores e acesso por meio de redes internas e externas.
Paragrafo unico. Todos os atos processuais do processo eletronico serao assinados eletronicamente na forma estabelecida nesta Lei.
O citado dispositivo passou a estabelecer preferencial parametro para transmissao (envio e recebimento) dos documentos digitais, dando enfase a necessidade de utilizacao da rede mundial de computadores, particularmente quando do processo integralmente digital, como no presente caso. Tal sistematica tem como alicerce o principio constitucional da eficiencia, efetiva norma juridica autonoma com aptidao para aplicacao direta
no ambito das relacoes juridicas humanas e que deve nortear a atuacao da administracao publica.
Somada ao preceito da maxima efetividade da norma juridica, a Lei do Processo Eletronico adota clara preferencia pela utilizacao da rede mundial de computadores (internet) para a comunicacao online dos atos processuais, especialmente quando estes sao produzidos de forma digital em autos integralmente eletronicos. Cabe a lembranca de que o principio constitucional da eficiencia impoe a Administracao Publica a melhor gerencia
dos recursos disponiveis, com o objetivo na optimizacao dos resultados quando da realizacao do servico publico.
Sem apego a retorica, a eficiencia do servico publico, com adocao dos mecanismos tecnologicos disponiveis (internet), deve ser percebida como uma decorrencia da ideia de Justica. No dizer do professor lusitano Joao Carlos Goncalves Loureiro: ” um minimo de eficiencia e uma exigencia
que integra a ideia de Justica “. [1]
Assim, o processo judicial eletronico deve ser visto no aspecto global, enquadrado dentro da atual realidade tecnologica ja bastante acessivel ao cidadao e as instituicoes, pois, conforme muito bem colocado pelo Presidente do Conselho Nacional de Justica, Ministro Joaquim Barbosa, quando da abertura do VII Encontro Nacional do Judiciario, realizado recentemente na cidade de Belem/PA em 18 de novembro de 2013: “Planejar
a Justica significa definir hoje qual o padrao de servico judiciario queremos entregar a sociedade brasileira no nosso atual angulo de visao: o
Judiciario 2020”.
Com essa visao, o Conselho Nacional de Justica editou a Resolucao n.º 185/2013, que institui o Sistema Processo Judicial Eletronico (PJe) como sistema de processamento de informacoes e pratica de atos processuais a ser utilizado por todos os Tribunais do pais. Em tal resolucao existe a referencia expressa de que os documentos assinados eletronicamente (arquivos de audio e video) integram os autos digitais (art. 25),
de sorte que a consulta devera ser atendida pela rede mundial de computadores (art. 27).
Nesse sentido, desprezar tao importante tecnologia nao parece ter sido o intuito do legislador ao estabelecer o principio da eficiencia como prumo
para o Poder Judiciario moderno.
No presente caso, o Tribunal requerido implantou o Sistema de Automacao Judicial (SAJ) em varias comarcas, cujos atos processuais respectivos passaram a ser integralmente eletronicos. Contudo, a disponibilizacao dos arquivos digitais de audio e video e precaria. Apesar de consultar o extrato processual e os documentos digitalizados, a parte interessada (Ministerio Publico e os procuradores), quando da consulta via Portal E-SAJ,
nao consegue ter acesso a prova oral dos autos (arquivos de audio e video). Para tanto, precisam comparecer no balcao da Secretaria e solicitar
a transferencia de tais documentos eletronicos para a midia pessoal (CD, DVD ou pendrive), caso o interessado disponha de tal instrumento.
A solucao adotada, apesar de assemelhada a arcaica forma de disponibilizacao dos documentos processuais, quando observada pelo prisma da
moderna concepcao do direito processual, transparece como medida nao integrativa da eficiencia almejada pela Lei n.º 11.419/2006.
Em verdade, possui publicidade limitada diante da tecnologia disponivel, pois deixa de garantir a efetividade do principio do amplo acesso as informacoes, prejudicando especialmente a atuacao do Ministerio Publico como fiscal da lei, fato que coloca em duvida a propria eficiencia do
dito “sistema proprietario”, dada a aparente limitacao dos recursos ofertados.
A medida adotada pelo TJCE limita a garantia do amplo acesso a Justica, prejudicando a parte ou o procurador que, por circunstancias de fato ou momentaneas alheias a sua vontade, nao possuir a ferramenta adequada (pendrive ou midia digital) no momento da solicitacao dos arquivos. Restringe, igualmente, a propria utilizacao do processo eletronico, pois cria um sistema misto que pode prejudicar a necessaria manifestacao
nos autos.
Diante de fatos dessa natureza, o Conselho Nacional de Justica concluiu pela necessidade da progressiva uniformizacao e implantacao de um unico sistema eletronico para gerencia dos processos digitais, com utilizacao do chamado “software livre”, razao pela qual vem enveredando pela criacao, desenvolvimento e implantacao do sistema denominado Processo Judicial Eletronico (PJe). O anseio em comento resultou concretizado com a publicacao da Resolucao CNJ n.º 185/2013, cujo art. 44 preve hipoteses de “manutencoes corretivas e evolutivas” nos sistemas existentes,
o que parece ser o caso dos autos.
Assim, enquanto aplicado o sistema do Tribunal requerido (E-SAJ), permanece a obrigatoriedade da adocao de ferramenta minima necessaria
para a devida publicidade do ato judicial produzido.
Conforme informou o Juiz-Auxiliar da Presidencia do CNJ, Dr. Douglas de Melo Martins, no parecer apresentado junto a INF23, “a insurgencia procede em razao do Portal E-SAJ nao distribuir os processos a disposicao do usuario externo de acordo com o estagio em que se encontra… Da mesma forma, obsta o pleno e total acesso ao seu conteudo processual, em especial aos arquivos digitais de audio e video, e, por conseguinte, exige do usuario postura semelhante aquela adotada ao tempo em que o processo era fisico”. Em conclusao, posicionou-se pela necessidade
de adequacao do sistema, com o fim de garantir transparencia e o mais amplo acesso ao conteudo do processo.
Nesse sentido, JOSE CARLOS DE ARAUJO ALMEIDA FILHO, no artigo denominado “Principio da publicidade no processo frente a EC 45/2004 e o processo
eletronico” (Publicacao: Revista de Processo. Sao Paulo, SP, v. 31, n. 142, p.89-105, dez./2006), disserta que:
“Nos termos do artigo 8º podemos observar que os autos o Processo Eletronico podem ser processados inteiramente desta forma ou parcialmente. Isto quer dizer que implantamos um sistema “meio eletronico” para o Processo Eletronico. Ou o processo e eletronico ou nao e. A parcialidade nao atinge o desiderato pretendido e esta distante da pratica adotada pela maioria dos paises que se utilizam desde meio para o
processamento de seus feitos.” (2010, p. 203)
Em linha jurisprudencial semelhante, Supremo Tribunal Federal vem entendendo que a informatizacao “… permite-lhes observar melhor os principios processuais da celeridade e economia na prestacao jurisdicional. No entanto, os beneficios alcancados pela utilizacao da informatica no Poder Judiciario nao pode desconsiderar o atendimento a determinadas exigencias processuais que, longe de configurarem formalismo excessivo, constituem verdadeiras garantias as partes…” (STF. Agravo de Instrumento n.º 593248 / SP – Sao Paulo. Relator Min. Sepulveda
Pertence. Publicacao DJ 14/06/2006).
Denota-se, assim, a necessidade de regularizacao do sistema processual eletronico adotado pelo Tribunal requerido para que, dispondo de elementos minimos necessarios (ou via alternativa), possa, nao so ao Ministerio Publico, ofertar aos jurisdicionados ferramentas adequadas para o exercicio dos principios que norteiam o devido processo legal, possibilitando a visualizacao online das provas orais (arquivos de video e audio) produzidas e/ou armazenadas digitalmente, as quais, inclusive, devem receber assinatura eletronica por parte do juiz, escrivao (chefe
de secretaria), procuradores e advogados correspondentes.
Nao obstante, conforme demonstrado quando do exame da liminar requerida, a pertinente medida corretiva, em razao da sua complexidade tecnica, pode demandar periodo de tempo para sua construcao e implantacao de forma segura, razao pela qual deve ser vislumbrada em prazo
razoavel.
Diante o exposto, conheco do presente procedimento para, no merito, julgar procedente a pretensao formulada na inicial, determinando ao Tribunal de Justica do Estado do Ceara que, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, adote mecanismos necessarios para assegurar a visualizacao on-line, via rede mundial de computadores, ao conteudo das provas orais armazenadas em arquivos digitais de audio e video, com observancia
das regras legais quanto ao sigilo processual.
E como voto.
Brasilia/DF, data infra.
DEBORAH CIOCCI
Conselheira