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MM Juiz,
A Defesa requer a extinção da punibilidade pelo cumprimento do período de prova.
Aduz para tanto as seguintes teses:
DO FIM DO PERÍODO DE PROVA SEM REVOGAÇÃO OPORTUNA
Sobre a prática de novo delito no curso do período de prova (fl.97), deveria ter se manifestado o Ministério Público antes do termo final do período em questão.
O pedido de revogação de fls.97 foi feito por cota pelo Ministério Público em 27/02/2014, ou seja, 22 dias depois de atingido o termo final do período de prova sem revogação, o que ocorreu em 06/02/2014 (fl.90).
O pedido de revogação nesses termos ofende a literalidade do §5º, do art.89 da Lei 9099/95 que diz:
§ 5º Expirado o prazo sem revogação, o Juiz declarará extinta a punibilidade.
A decisão de extinção da punibilidade pela expiração do período de prova, veja-se a precisão do legislador, é declaratória e não constitutiva, o que leva à conclusão de que em 06/2/2014 o período de prova terminou, dependendo apenas de declaração.
Se onde há a mesma razão deve ser aplicado o mesmo direito, impõe-se observar pela similitude a sólida jurisprudência do STJ sobre o fim do período de prova do livramento condicional sem revogação:
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. NOVO CRIME. INEXISTÊNCIA DE DECISÃO SUSPENDENDO OU REVOGANDO O BENEFÍCIO DURANTE PERÍODO DE PROVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A suspensão do curso do livramento condicional até a decisão definitiva do processo resultante da imputação da prática do crime durante a sua vigência é medida cautelar, dependente de decisão judicial específica. Não tendo havido a suspensão cautelar, corre sem óbice o prazo do livramento, cujo termo, sem revogação, implica extinção da pena. (STF, HC 81879-0/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/8/2002).
2. Não tendo sido suspenso, por medida cautelar, o livramento condicional durante o período de prova, impõe-se a declaração de extinção da pena, não se mostrando possível a revogação posterior do benefício.
3. Decisão que se mantém por seus próprios fundamentos.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no HC 112.076/SP, Rel. Ministro CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, julgado em 18/11/2010, DJe 06/12/2010)
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. LIVRAMENTO CONDICIONAL. NOVO DELITO COMETIDO DURANTE A SUA VIGÊNCIA. NÃO OCORRÊNCIA DE SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO NO PERÍODO DE PROVA. EXTINÇÃO DA PENA.
1. Decorrido o período de prova do livramento condicional sem suspensão ou prorrogação do benefício, fica extinta a pena privativa de liberdade, a teor dos arts. 90 do Código Penal e 146 da Lei de Execução Penal. Precedentes desta Corte e do Excelso Pretório.
2. Ordem concedida, para julgar extinta a pena do Paciente relativamente ao crime objeto do livramento condicional.
(HC 194.055/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 22/03/2011, DJe 06/04/2011).
CRIMINAL. HC. ROUBO QUALIFICADO. TENTATIVA. EXECUÇÃO. LIVRAMENTO CONDICIONAL. PLEITO DE EXTINÇÃO DE PENA. AUSÊNCIA DE SUSPENSÃO DO BENEFÍCIO DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO APÓS TERMINO DO LIVRAMENTO CONDICIONAL. SITUAÇÃO VENCIDA PELO DECURSO DE TEMPO.
INCIDÊNCIA DO ART. 90 DO CP. EXTINÇÃO DA PENA. ORDEM CONCEDIDA.
Hipótese na qual foi revogado o livramento condicional do réu, após o fim do período de prova, em razão do cometimento de novo crime no curso do benefício.
II. Ausência de manifestação ministerial oportuna, sendo que, encerrado o período de prova em 08/08/2006, a revogação do benefício só foi pleiteada em 14/11/2008, tendo sido concretizada em 26/11/2008.
III. Não obstante a revogação do livramento condicional seja obrigatória, no caso do art. 86, I, do CP, faz-se mister a suspensão cautelar do benefício, ainda no curso do período de prova, antes da revogação. Precedentes.
IV. Inteligência do art. 732 do Código de Processo Penal e art. 145 da Lei de Execuções Penais.
V. Permanecendo inerte o Órgão fiscalizador, não se pode restringir o direito do réu, após o cumprimento integral do benefício, restabelecendo situação já vencida pelo decurso de tempo. Incidência do disposto no art. 90 do Código Penal.
VI. Deve ser declarada extinta a pena privativa de liberdade do paciente, relativamente ao processo n.º 289374/2004, da 4ª Vara Criminal da Comarca de Sorocaba/SP.
VII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(HC 151.686/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 28/09/2010, DJe 18/10/2010).
Portanto, o fim do período de prova (06/02/2014 –cf.fl.90) sem efetiva revogação deve implicar a declaração de extinção da punibilidade.
Mas não é só.
DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL DO CONTRATO
Para além do efetivo cumprimento do período de prova sem revogação oportuna, cabe destacar que o beneficiário demonstrou compromisso ao longo dos dois anos de cumprimento das condições firmadas.
Mera contagem nos documentos de fls. 84, 88 e 90 demonstra que ele compareceu em 23 das 24 vezes em que deveria estar em juízo, incluindo-se uma prorrogação.
Nas vezes em que se ausentou, compareceu posteriormente para justificar as faltas, demonstrando comprometimento com a Justiça, ainda quando o período de prova foi prolongado.
Não existe, de outra banda, notícia de que tenha descumprido as condições 2 e 3 impostas às fls. 65/66.
O comportamento de quem age com boa-fé objetiva não deve ser desprezado.
A suspensão condicional do processo é uma forma de negociação processual e muito se assemelha a um contrato firmado pelo beneficiário com a Justiça com estipulação de obrigação divisível.
Lembremos que o artigo 89 da Lei 9.099/95 é uma das formas de justiça consensual na seara criminal.
Se pensarmos na incidência do direito fundamental à individualização da pena – que impõe a adequação da sanção conforme as condições particulares do acusado – seria possível fazer paralelo com os chamados contratos relacionais.
Essa argumentação demonstra que os ramos do Direito são interdependentes e comunicam-se initerruptamente, reafirmando a unidade do ordenamento jurídico.
Pensar o Direito dessa forma é um modo concreto de realização de Justiça.
Pois bem.
Sob essa perspectiva da suspensão condicional do processo como acordo entre beneficiário e a Justiça, é possível traçar paralelo com institutos do direito civil e sustentar aqui a teoria do adimplemento substancial do contrato.
Diz o artigo 415 do Código Civil:
Art. 415. Quando a obrigação for divisível, só incorre na pena o devedor ou o herdeiro do devedor que a infringir, e proporcionalmente à sua parte na obrigação.
Impor a revogação da suspensão condicional do processo quando o beneficiário adimpliu 23 das 24 obrigações de comparecimento, ou seja, quando adimpliu 95,83% de sua obrigação, significa desatender à regra de Justiça consubstanciada na proporcionalidade.
Agindo assim, será o Judiciário quem estará quebrando as regras da confiança e da boa-fé objetiva.
Sustentando a aplicação da teoria do adimplemento substancial do contrato para equacionamento e compreensão da suspensão condicional do processo, o juiz Alexandre Morais da Rosa afirma que:
Aplicando tal teoria ao direto penal, mais especificamente, à suspensão condicional do processo, com base nos princípios da boa-fé objetiva, proporcionalidade, equidade e celeridade processual, corolário do devido processo legal substancial, não é cabível a revogação do acordo entre as partes quando, o acusado de boa-fé, cumprindo parte substancial das condições, não cumpre, por exemplo, com o dever de comparecer em juízo no período acordado ou mesmo não quita parte da parcela monetária. Ora, como movimentar o Poder Judiciário com audiência de justificativa, intimando o acusado, tomando tempo do advogado, juiz e representante do Ministério Público para que seja explicado o não comparecimento parcial ou mesmo de parcela insignificante do acordado? Necessária se faz a aplicação da teoria do adimplemento substancial, no mesmo contexto em que vem sendo aplicada nos contratos, pois a problemática cotidiana do exacerbado formalismo atingiu, também, a suspensão condicional do processo.
Por isso, quem sabe, a aplicação da Teoria do Adimplemento Substancial no campo da Suspensão Condicional do Processo possa ser um sendero na aplicação do devido processo legal substancial, evitando gastos desnecessários e atendendo ao fim do instituto. (íntegra do artigo em anexo).
O reconhecimento da procedência dos argumentos aqui invocados é de rigor.
DO PEDIDO
Assim, considerando:
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Que o termo final do período de prova foi atingido sem revogação em 06/02/2014;
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Que o pedido de revogação só ocorreu após o término do período de prova, ou seja, em 27/02/2014;
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Que a eficácia da decisão que reconhece o fim do período de prova é declaratória e não constitutiva;
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Que foram estipuladas 3 condições;
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Que das três condições pactuadas, duas foram integralmente cumpridas;
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Que o descumprimento da condição 1 equivale a apenas 4,17% da obrigação inicial assumida, ou seja, tendo em conta que cumpriu-se 95,83% da obrigação de comparecimento mensal em juízo;
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Que as faltas foram justificadas posteriormente e deram-se por problema de saúde;
Requer-se o reconhecimento do fim do período de prova sem revogação e do adimplemento substancial para declarar extinta a punibilidade.
Termos em que,
Pede deferimento.
São Carlos, 26 de março de 2014.
Lucas Corrêa Abrantes Pinheiro
Defensor Público do Estado